terça-feira, 21 de agosto de 2007
parece bom: doc sobre milton santos
jornal O Globo, 18/08/07
caderno economia, p36
A formação da humanidade vista do lado de cá
Documentário de Sílvio Tendler sobre geógrafo Milton Santos expõe visão singular e original sobre globalização
Paulo Thiago de Mello
Pouco conhecido fora dos círculos acadêmicos e da militância antiglobalização, o geógrafo Milton Santos chega agora ao grande público, no mais recente documentário de Sílvio Tendler. O filme — “Encontro com Milton Santos ou a globalização vista do lado de cá” — é uma rara oportunidade de se conhecerem as idéias de um intelectual brilhante, dono de um pensamento original, que revolucionou a geografia convencional ao humanizála, adotando o ponto de vista dos países periféricos.
No campo político, Santos foi um ativista independente, sem vínculos com qualquer grupo — “Sou um militante de idéias” — , e se tornou uma das vozes críticas da globalização, chamada por ele de globalitarismo: a globalização com autoritarismo.
O documentário traz a última entrevista do geógrafo, pouco antes de sua morte, em 2001, aos 75 anos, em que apresenta, com voz mansa e rosto risonho, suas idéias. Com essa base, Tendler foi buscar exemplos e interlocutores para estabelecer um diálogo, cujo tema central é a construção da civilização por meio de uma globalização solidária.
Neto de escravos, Santos nasceu em 1926, em Brotos de Macaíbas, na Chapada Diamantina (BA), e foi alfabetizado em casa pelos pais, professores. Obteve o título de doutor em geografia na França, em 1958. Com o golpe de 1964, foi obrigado a deixar o Brasil. Morou na França, na Tanzânia, na Venezuela, nos EUA e no Canadá. Escreveu 40 livros e recebeu o título de doutor ho noris causa de 20 universidades.
A consagração veio com o prêmio Vautrin Lud, em 1994, uma espécie de Nobel da geografia, pela primeira vez concedido a um acadêmico fora do mundo anglo-saxão.
‘O homem deixou de ser o centro do mundo’ Crítico do globalitarismo, Santos é, no entanto, otimista quanto às transformações, que, segundo ele, virão de baixo.
“Somos pessimistas quanto à realidade que está aí, mas otimistas quanto ao que pode chegar”, diz no documentário.
Para ele, o problema é a fragmentação da ética: “Há a ética dos poderosos, que não chega a ser ética, e há a ética dos que não têm nada”, afirma, acrescentando que os valores deste último grupo, à exceção dos que recorrem à violência, são cada vez mais incorporados pelas camadas mais baixas da sociedade, traduzindo-se em formas de ação eficazes. O filme traz exemplos, sobretudo de cineastas independentes, que, com um mínimo de tecnologia, vêm ajudando a traduzir a realidade de suas comunidades.
A preocupação do geógrafo é pertinente, considerando-se sua concepção do globalitarismo: “Nós reclamamos dos totalitarismos, do fascismo, do nazismo.
E caímos em uma outra forma de totalitarismo.” E acrescenta: “O homem deixou de ser o centro do mundo. O centro do mundo hoje é o dinheiro”.
O documentário também traz a esperança de transformação e a fé na civilização, uma das características de Santos.
“Nunca houve humanidade.
Agora é que está havendo. A gente vem fazendo ensaios do que será a humanidade. Acho que é a primeira vez na História em que convivemos com um futuro possível. Acho que essa é a grande novidade da nossa geração. A capacidade de conviver com o futuro possível”.
fonte:
www.oglobo.com.br